quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

aula 1 - Introdução à disciplina: Da utilidade da Filosofia

"Google it" é suficiente para adquirir conhecimento?


       Em tempos de reforma do ensino médio, através da canetada do governo, passou a ser necessário discutir qual é a real função das ciências humanas no ensino médio.
       Afinal uma rápida pesquisa no Google, nos fornece as informações necessárias para nos manter informados sobre os fatos da história da filosofia; e por isso parece desnecessário "gastar" tempo e dinheiro público para as ciências humanas.
       Apresentamos abaixo um artigo publicado no The guardian sobre o que a filosofia pode ensinar. 
       

A filosofia pode ensinar o que o Google não pode

 
Livre tradução e adaptação do texto publicado no jornal britânico The Guardian.



Seja com a invenção de carros sem motorista, ou nos telefones quando ligamos para o 
banco ou para uma loja: todos sabemos que os robôs estão chegando, e em muitos 
casos já estão aqui. Em 2013, economistas da Oxford University’s Martin School 
estimaram que, nos próximos 20 anos, mais de metade de todos os empregos serão 
substituídos por tecnologias inteligentes. Como essa perspectiva de uma vida auxiliada
 por robôs, é tolo negar que as crianças que estão na escola hoje entrarão num local 
de trabalho muito diferente amanhã - e isso se tiverem sorte. [...] Os futurólogos 
preveem que os trabalhos administrativos e burocráticos serão cada vez mais
 terceirizados para "máquinas", bem como os trabalhos manuais.

Diante disso, como os educadores devem preparar os jovens para a vida cívica e 
profissional numa era digital? [...] Redobrar o investimento em ciência, tecnologia, 
engenharia e matemática não vai resolver o problema, pois: o treinamento em altas 
tecnologias tem suas limitações imaginativas.

Num futuro próximo, os que abandonaram a escola precisarão de outras habilidades.
 Em um mundo onde o conhecimento técnico é cada vez mais restrito, as habilidades 
e a confiança para percorrer disciplinas será recompensado. Precisaremos de pessoas 
que estejam preparadas para perguntar e responder às perguntas que não são 
encontradas no Google, como: Quais são as ramificações éticas da automação 
das máquinas? Quais são as consequências políticas do desemprego em massa? Como 
devemos distribuir a riqueza em uma sociedade digitalizada? Como sociedade nós 
precisaremos estar mais familiarizados com a Filosofia para discutirmos tais questões. 

Em meio às incertezas políticas de 2016, o presidente irlandês Michael D Higgins 
lançou uma luz nesta área. "O ensino da filosofia", disse ele em novembro, "é uma 
das ferramentas mais poderosas que temos à nossa disposição para capacitar as 
crianças a atuar como sujeitos livres e responsáveis em um mundo cada vez 
mais complexo, interconectado e incerto". A sala de aula, ele enfatizou, oferece um
 "caminho para uma cultura democrática humanista e vibrante".

Em 2013, enquanto a Irlanda lutava contra os efeitos da crise financeira, Higgins
 lançou uma iniciativa nacional que pedia um debate sobre o que a Irlanda 
valorizava como sociedade. O resultado é que em setembro, pela primeira vez, a 
filosofia foi introduzida nas escolas irlandesas. O curso para jovens de 12 a 16 anos
 provoca os jovens a refletirem sobre questões que - até agora - estavam ausentes 
dos currículos escolares. No Reino Unido, uma rede de filósofos e professores ainda 
está tentando implantar algo parecido. E na Irlanda, uma nação que já foi considerada 
"o país mais católico", já está explorando reformas para estabelecer a filosofia para 
as crianças como um assunto dentro das escolas primárias.

Esta expansão da filosofia no currículo é algo que Higgins e sua esposa Sabina, 
graduado em filosofia, pediram expressamente. As opiniões de Higgins estão à frente
 de seu tempo. Se alguns educadores assumem que a filosofia é inútil, é justo dizer 
que muitos filósofos acadêmicos ainda são territoriais ou ignorantes sobre a viabilidade 
de tratarem do assunto para além da academia. Se por um lado os educadores 
precisam ficar sábios, por outro lado os filósofos precisam superar a si mesmos.

O pensamento e o desejo de compreender não vêm naturalmente - ao contrário do que 
Aristóteles acreditava. Diferentemente, digamos, do sexo e da fofoca, a filosofia não é 
um interesse universal. Bertrand Russell aproximou-se disso quando disse: "A maioria 
das pessoas prefere morrer do que pensar; na verdade, é isso que fazem ". Embora 
possamos todos ter a capacidade de filosofar, é uma capacidade que requer 
treinamento e "cutucões" culturais. Se a busca da ciência requer algum andaime 
cognitivo, como argumenta o filósofo norte-americano Robert McCauley, então o
 mesmo vale para a filosofia.

A filosofia é difícil. Abrange a dupla exigência de trabalho árduo e um supervisor 
sério. Isso nos obriga a superar os preconceitos pessoais e as armadilhas no raciocínio. 
Para isso é necessário o diálogo tolerante, e imaginar pontos de vista divergentes 
enquanto os avalia. A filosofia ajuda as crianças - e os adultos - a articular perguntas 
e a explorar respostas que não são facilmente extraídas pela introspecção ou pelo Twitter.
 No seu melhor, a filosofia coloca ideias, não egos, na frente e no centro. E é a própria
 fragilidade - a não-naturalidade - da filosofia que exige que ela seja incorporada, 
não apenas nas escolas, mas nos espaços públicos.

A filosofia não vai trazer de volta os trabalhos perdidos para os robôs. Não é uma cura 
para todos os problemas atuais ou futuros do mundo. Mas pode construir uma imunidade
 contra julgamentos descuidados, e certezas não avaliadas. A filosofia em nossas salas 
de aula poderia nos preparar melhor para perceber e desafiar os conhecimentos 
convencionais da nossa era. Talvez por isso não seja surpreendente que o presidente 
da Irlanda, um país que foi uma vez uma sub-teocracia, tenha entendido isso.

Fonte:
http://www.filosofianaescola.com.br/2017/01/a-filosofia-pode-ensinar-o-que-o-google.html?spref=fb&m=1


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