sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Aula 2 - 3º ano - Mito da caverna




Texto: A alegoria da caverna – A República (514a-517c) 


Sócrates: Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que ela recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer. Imagine, pois, homens que vivem em uma morada subterrânea em forma de caverna. A entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os homens estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagine que esse caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram as marionetes e apresentam o espetáculo. Glauco: Entendo Sócrates: Então, ao longo desse pequeno muro, imagine homens que carregam todo o tipo de objetos fabricados, ultrapassando a altura do muro; estátuas de homens, figuras de animais, de pedra, madeira ou qualquer outro material. Provavelmente, entre os carregadores que desfilam ao longo do muro, alguns falam, outros se calam.

Glauco: Estranha descrição e estranhos prisioneiros!

Sócrates: Eles são semelhantes a nós. Primeiro, você pensa que, na situação deles, eles tenham visto algo mais do que as sombras de si mesmos e dos vizinhos que o fogo projeta na parede da caverna à sua frente?

Glauco: Como isso seria possível, se durante toda a vida eles estão condenados a ficar com a cabeça imóvel?

Sócrates: Não acontece o mesmo com os objetos que desfilam?

Glauco: É claro.

Sócrates: Então, se eles pudessem conversar, não acha que, nomeando as sombras que vêem, pensariam nomear seres reais?

Glauco: Evidentemente.

Sócrates: E se, além disso, houvesse um eco vindo da parede diante deles, quando um dos que passam ao longo do pequeno muro falasse, não acha que eles tomariam essa voz pela da sombra que desfila à sua frente?

Glauco: Sim, por Zeus. Sócrates: Assim sendo, os homens que estão nessas condições não poderiam considerar nada como verdadeiro, a não ser as sombras dos objetos fabricados.

Glauco: Não poderia ser de outra forma.

Sócrates: Veja agora o que aconteceria se eles fossem libertados de suas correntes e curados de sua desrazão. Tudo não aconteceria naturalmente como vou dizer? Se um desses homens fosse solto, forçado subitamente a levantar-se, a virar a cabeça, a andar, a olhar para o lado da luz, todos esses movimentos o fariam sofrer; ele ficaria ofuscado e não poderia distinguir os objetos, dos quais via apenas as sombras anteriormente. Na sua opinião, o que ele poderia responder se lhe dissessem que, antes, ele só via coisas sem consistência, que agora ele está mais perto da realidade, voltado para objetos mais reais, e que está vendo melhor? O que ele responderia se lhe designassem cada um dos objetos que desfilam, obrigando-o com perguntas, a dizer o que são? Não acha que ele ficaria embaraçado e que as sombras que ele via antes lhe pareceriam mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?

Glauco: Certamente, elas lhe pareceriam mais verdadeiras.

Sócrates: E se o forçassem a olhar para a própria luz, não achas que os olhos lhe doeriam, que ele viraria as costas e voltaria para as coisas que pode olhar e que as consideraria verdadeiramente mais nítidas do que as coisas que lhe mostram?

Glauco: Sem dúvida alguma.

Sócrates: E se o tirarem de lá à força, se o fizessem subir o íngreme caminho montanhoso, se não o largassem até arrastá-lo para a luz do sol, ele não sofreria e se irritaria ao ser assim empurrado para fora? E, chegando à luz, com os olhos ofuscados pelo brilho, não seria capaz de ver nenhum desses objetos, que nós afirmamos agora serem verdadeiros.

Glauco: Ele não poderá vê-los, pelo menos nos primeiros momentos.

Sócrates: É preciso que ele se habitue, para que possa ver as coisas do alto. Primeiro, ele distinguirá mais facilmente as sombras, depois, as imagens dos homens e dos outros objetos refletidas na água, depois os próprios objetos. Em segundo lugar, durante a noite, ele poderá contemplar as constelações e o próprio céu, e voltar o olhar para a luz dos astros e da lua mais facilmente que durante o dia para o sol e para a luz do sol.

Glauco: Sem dúvida.

Sócrates: Finalmente, ele poderá contemplar o sol, não o seu reflexo nas águas ou em outra superfície lisa, mas o próprio sol, no lugar do sol, o sol tal como é.

Glauco: Certamente.

Sócrates: Depois disso, poderá raciocinar a respeito do sol, concluir que é ele que produz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível, e que é, de algum modo a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.

Glauco: É indubitável que ele chegará a essa conclusão.

Sócrates: Nesse momento, se ele se lembrar de sua primeira morada, da ciência que ali se possuía e de seus antigos companheiros, não acha que ficaria feliz com a mudança e teria pena deles?

Glauco: Claro que sim.

Sócrates: Quanto às honras e louvores que eles se atribuíam mutuamente outrora, quanto às recompensas concedidas àquele que fosse dotado de uma visão mais aguda para discernir a passagem das sombras na parede e de uma memória mais fiel para se lembrar com exatidão daquelas que precedem certas outras ou que lhes sucedem, as que vêm juntas, e que, por isso mesmo, era o mais hábil para conjeturar a que viria depois, acha que nosso homem teria inveja dele, que as honras e a confiança assim adquiridas entre os companheiros lhe dariam inveja? Ele não pensaria antes, como o herói de Homero, que mais vale “viver como escravo de um lavrador” e suportar qualquer provação do que voltar à visão ilusória da caverna e viver como se vive lá?

Glauco: Concordo com você. Ele aceitaria qualquer provação para não viver como se vive lá.

Sócrates: Reflita ainda nisto: suponha que esse homem volte à caverna e retome o seu antigo lugar. Desta vez, não seria pelas trevas que ele teria os olhos ofuscados, ao vir diretamente do sol?

Glauco: Naturalmente.

Sócrates: E se ele tivesse que emitir de novo um juízo sobre as sombras e entrar em competição com os prisioneiros que continuaram acorrentados, enquanto sua vista ainda está confusa, seus olhos ainda não se recompuseram, enquanto lhe deram um tempo curto demais para acostumar-se com a escuridão, ele não ficaria ridículo? Os prisioneiros não diriam que, depois de ter ido até o alto, voltou com a vista perdida, que não vale mesmo a pena subir até lá? E se alguém tentasse retirar os seus laços, fazê-los subir, você acredita que, se pudessem agarrá-lo e executá-lo, não o matariam?

Glauco: Sem dúvida alguma, eles o matariam.

Sócrates: E agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar exatamente essa alegoria ao que dissemos anteriormente. Devemos assimilar o mundo que apreendemos pela vista à estada na prisão, a luz do fogo que ilumina a caverna à ação do sol. Quanto à subida e à contemplação do que há no alto, considera que se trata da ascensão da alma até o lugar inteligível, e não te enganarás sobre minha esperança, já que desejas conhecê-la. Deus sabe se há alguma possibilidade de que ela seja fundada sobre a verdade. Em todo o caso eis o que me aparece tal como me aparece; nos últimos limites do mundo inteligível aparece-me a idéia do Bem, que se percebe com dificuldade, mas que não se pode ver sem concluir que ela é a causa de tudo o que há de reto e de belo. No mundo visível, ela gera a luz e o senhor da luz, no mundo inteligível ela própria é a soberana que dispensa a verdade e a inteligência. Acrescento que é preciso vê-la se quer comportar-se com sabedoria, seja na vida privada, seja na vida pública.

Glauco: Tanto quanto sou capaz de compreender-te, concordo contigo.

Referência: A Alegoria da caverna: A Republica, 514a-517c tradução de Lucy Magalhães. In: MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia: dos Pré- socráticos a Wittgenstein. 2a ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Escola sem partido ou sem pensamento crítico?

O que perde a juventude sem Filosofia em sala de aula

Tornar opcional o ensino de Filosofia corresponde a tirar dos estudantes a disciplina mais adequada para ajudá-los a pensar sobre o que os torna verdadeiramente humanos

Na próxima semana o Senado tratará da Medida Provisória referente à reforma do Ensino Médio. Na MP está em questão tornar opcional o ensino de Filosofia (bem como de outras disciplinas) e, como o Senado tem a prerrogativa de propor emendas à MP, ainda vale tentar obter alguma clareza no debate, apostando na capacidade de lucidez e ponderação dos senhores senadores.
Certamente uma das razões para desobrigar do ensino de Filosofia é uma razão econômica, embora seja irrisória a quantidade de dinheiro público que será poupada com o corte de professores e de aulas dessa disciplina (maior será o dano social à vida dos profissionais e dos estudantes). Outra razão é burocrática e refere-se à menção explícita de nomes de disciplinas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Outra razão, enfim, é mais séria e, vistos os debates que têm ocorrido em nosso país durante os últimos dois anos, ela parece ser o principal motor para desobrigar do ensino de Filosofia: trata-se de uma razão sócio-ideológica que diz respeito à preocupação de setores da sociedade brasileira com a “doutrinação comunista e ateia” que seria praticada nas aulas de Filosofia.
Dito dessa maneira, tudo parece uma caricatura. Na realidade, porém, não há nada de caricatural. Essa razão foi levantada por vários deputados e senadores, além de representantes da sociedade civil. Professores de Filosofia seriam marxistas, militantes petistas, anticristãos, adeptos do casamento homossexual, abortistas, anticapitalistas, contrários à meritocracia e outras coisas mais.
Assim, para além das simpatias e dos ódios, é necessário e urgente perguntar: esse diagnóstico corresponde à realidade? Seriam todos os professores de Filosofia comunistas e ateus? Seria realmente um ganho para a história mental de nosso país tornar opcional o ensino de Filosofia?
Num momento histórico em que muitas pessoas redescobrem a importância do pensamento filosófico (quando mesmo grandes empresas têm valorizado profissionais dotados de conhecimentos filosóficos, porque são capazes de análises mais globais e de pensamentos mais complexos), urge perguntar por que o Brasil pretende frear a ampliação da cultura filosófica em vez de acelerá-la? Aliás, outros países da América Latina também têm puxado o mesmo freio, o que faz pensar que a verdadeira razão para desobrigar do ensino de Filosofia talvez venha do medo de velhos fantasmas como o comunismo, a destruição do cristianismo, o ataque contra os valores da família etc.
Um parêntese histórico curioso: os partidos de direita e de centro-direita fazem hoje o que setores da esquerda fizeram no passado e fazem também atualmente. Refiro-me a todos aqueles de esquerda que são contra o ensino de Filosofia  porque, como dizem, “diante da falta de professores em alguns locais, quem dará as aulas serão padres, pastores, historiadores e gente com qualquer diploma universitário”. Hoje os membros da direita dizem que quem dá as aulas são “marxistas, comunistas, petistas, ateus, gays, lésbicas e assim por diante”.
Indo ao núcleo dessa preocupação, é urgente perguntar se esse diagnóstico corresponde à realidade. E a resposta para essa questão é redondamente negativa.
Tenho conhecimento de causa, não apenas pelo trabalho na universidade em que leciono, mas também pela observação in loco em vários pontos do Brasil. Atendo-me apenas ao ponto talvez mais sensível, o aspecto religioso, posso afirmar que o maior número de professores de Filosofia do Ensino Médio é de pessoas religiosas ou agnósticas (pessoas que não se dedicam nem a afirmar nem a negar a existência de Deus e têm grande respeito pelas pessoas religiosas). Talvez por motivos sociais (o crescimento das religiões cristãs evangélicas e de setores do cristianismo católico, do budismo, das religiões africanas e outras religiões), o fato é que a maioria dos professores nos vários pontos que tenho visitado de norte a sul é uma maioria religiosa ou respeitosa da religião. Do ponto de vista político, muitas delas são inclusive de direita ou de centro-direita, muito longe de serem petistas.
Obviamente, quando faz parte do programa curricular o estudo de pensadores ateus, todos são obrigados a lê-los, inclusive os professores religiosos. Nesse aspecto, o que conta é a importância desses filósofos para a história do pensamento; não se pode querer evitá-los como se tivéssemos o direito de “proteger” os estudantes ocultando deles a verdade histórica. Ademais, a prática de ler pensadores ateus pode converter-se em um excelente exercício de reflexão que pode ajudar os estudantes a amadurecer sua fé religiosa, pondo-a em teste, e mesmo a intensificá-la.
Queremos ou não queremos formar cidadãos livres, responsáveis e construtores de uma sociedade respeitosa e democrática? Se esse é um dos objetivos centrais da educação, filtrar aquilo que chegará aos estudantes, deixando a Filosofia em segundo plano e ao gosto das possibilidades “opcionais”, significa atacar a única disciplina que, no contexto atual, levanta a pergunta pelo sentido dos saberes, das práticas, das artes, da religião, enfim, dos vários aspectos da existência.
O caso do falso debate entre criacionismo eciência
Para dar um exemplo mais concreto do bem que a formação filosófica pode fazer mesmo a pessoas religiosas, evoco aqui uma experiência que vivi quando lecionei no Ensino Médio (e que constantemente se repete na universidade): um grupo de estudantes estava muito angustiado depois de algumas aulas de Biologia, pois haviam estudado a teoria do Big Bang ou do que se chama em geral de “a grande explosão” que teria ocorrido nos inícios do Universo, e o professor de Biologia teria afirmado que a teoria do Big Bang provava a inexistência de Deus.
A ocasião não podia ser melhor para que eu atuasse como professor de Filosofia. A primeira coisa que propus em aula foi estudar o modo como se constrói o conhecimento em Biologia e nas ciências em geral, avaliando sobretudo a base que permite construir conceitos como iníciocausafimfinitoinfinito, além de debater o que significa uma teoria e mesmo a verdade em ciência. Alguns estudantes quiseram logo tirar a conclusão de que o professor de Biologia estava errado, porque perceberam não apenas que nenhum cientista pode ter a pretensão de dizer que “viu” ou experimentou a infinitude do Universo (mesmo que ele seja infinito), mas também que não há a menor condição de provar cientificamente a inexistência nem a existência de um ser criador. Mesmo que haja evidências em um sentido ou outro, nunca haverá provas propriamente ditas. Outros estudantes, porém, estavam realmente abalados, porque percebiam que o discurso científico é extremamente bem construído e baseia-se em dados que podem ser debatidos e testados por todos os que se instruem nas regras desse discurso.
Depois de várias aulas de reflexão, de leitura de textos de Filosofia da Ciência, de Teoria do Conhecimento e de Filosofia da Religião, o ganho foi enorme, principalmente porque a conclusão mais adequada e mais lúcida era a de que a teoria do Big Bang não anula a fé na criação e que tampouco a fé na criação impede de adotar a teoria do Big Bang.
O dado comum percebido por todos era o de que o debate “criacionismo versus eternidade ou infinitude do Universo” é um falso debate, fundamentado no erro de tomar o criador do Universo por uma “parte” do mesmo Universo (e, por conseguinte, passível de ser provado ou não). Tanto os estudantes religiosos se apegavam a uma visão demasiado infantil do criador, como o professor de Biologia também era imaturo ao achar que sua briga era com aquele criador infantil. O erro conceitual do professor era explícito: ele tratava o ser divino como uma parte do mundo, querendo submetê-lo às leis da Física, da Química e da Biologia, em vez de entender que o ser divino, para ser tratado adequadamente, deve ser visto como transcendente ao mundo e suas leis.O mesmo erro era cometido pelos estudantes, pois, ao defendê-lo, o reduziam a uma parte do mundo e traíam sua transcendência.
Trocando em miúdos, o Universo pode ter surgido de uma explosão inicial, pode ter sempre existido, pode caminhar para um fim ou para a eternidade. Nenhuma dessas teorias impede pensar que um ser divino criador está no fundamento do Universo. Nunca será irracional crer que há um porquê para o dinamismo cósmico, pois provar a irracionalidade dessa crença exigiria provar o absurdo de seu fundamento mesmo, o ser divino, que, por definição, não é parte do mundo, não estando, portanto, sujeito a nenhum tipo de prova. Crer ou não crer são atitudes que envolvem não apenas o pensamento, mas também o sentimento (especificamente o sentimento religioso, na linha do que diziam Friedrich Schleiermacher e Rudolf Otto) e a vontade.
Relegar o ensino de Filosofia à categoria de “opcional” é diminuir ou anular a possibilidade de os estudantes desenvolverem exercícios desse tipo. É construir uma visão formativa em que os saberes técnicos têm prioridade, caindo-se na ilusão de que mais aulas de Português e Matemática vão realmente fazer os estudantes pensar e exprimir-se com correção.
Nós, brasileiros de hoje, temos uma grave responsabilidade pelo tipo de mente que desejamos formar nas crianças e jovens. São eles que continuarão a construção do Brasil. Queremos um futuro com pessoas de mente aberta, respeitosa e madura ou de mente fechada, medrosa, imatura e agressiva? Caso o estudo de Filosofia se torne opcional, é óbvio que alguns estudantes continuarão a ter acesso a ela, porque frequentarão as melhores escolas; mas a imensa maioria sequer ouvirá falar dela. O que sentimos diante desse quadro? Vamos dar de ombros e deixar acontecer a construção de um país desigual, autoritário, exclusivista, violento e mentiroso?
Juvenal Savian Filho é filósofo e teólogo, doutor pela Universidade de São Paulo e docente da Universidade Federal de São Paulo
Fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2017/02/o-que-perde-a-juventude-sem-filosofia-em-sala-de-aula/


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

aula 1 - Introdução à disciplina: Da utilidade da Filosofia

"Google it" é suficiente para adquirir conhecimento?


       Em tempos de reforma do ensino médio, através da canetada do governo, passou a ser necessário discutir qual é a real função das ciências humanas no ensino médio.
       Afinal uma rápida pesquisa no Google, nos fornece as informações necessárias para nos manter informados sobre os fatos da história da filosofia; e por isso parece desnecessário "gastar" tempo e dinheiro público para as ciências humanas.
       Apresentamos abaixo um artigo publicado no The guardian sobre o que a filosofia pode ensinar. 
       

A filosofia pode ensinar o que o Google não pode

 
Livre tradução e adaptação do texto publicado no jornal britânico The Guardian.



Seja com a invenção de carros sem motorista, ou nos telefones quando ligamos para o 
banco ou para uma loja: todos sabemos que os robôs estão chegando, e em muitos 
casos já estão aqui. Em 2013, economistas da Oxford University’s Martin School 
estimaram que, nos próximos 20 anos, mais de metade de todos os empregos serão 
substituídos por tecnologias inteligentes. Como essa perspectiva de uma vida auxiliada
 por robôs, é tolo negar que as crianças que estão na escola hoje entrarão num local 
de trabalho muito diferente amanhã - e isso se tiverem sorte. [...] Os futurólogos 
preveem que os trabalhos administrativos e burocráticos serão cada vez mais
 terceirizados para "máquinas", bem como os trabalhos manuais.

Diante disso, como os educadores devem preparar os jovens para a vida cívica e 
profissional numa era digital? [...] Redobrar o investimento em ciência, tecnologia, 
engenharia e matemática não vai resolver o problema, pois: o treinamento em altas 
tecnologias tem suas limitações imaginativas.

Num futuro próximo, os que abandonaram a escola precisarão de outras habilidades.
 Em um mundo onde o conhecimento técnico é cada vez mais restrito, as habilidades 
e a confiança para percorrer disciplinas será recompensado. Precisaremos de pessoas 
que estejam preparadas para perguntar e responder às perguntas que não são 
encontradas no Google, como: Quais são as ramificações éticas da automação 
das máquinas? Quais são as consequências políticas do desemprego em massa? Como 
devemos distribuir a riqueza em uma sociedade digitalizada? Como sociedade nós 
precisaremos estar mais familiarizados com a Filosofia para discutirmos tais questões. 

Em meio às incertezas políticas de 2016, o presidente irlandês Michael D Higgins 
lançou uma luz nesta área. "O ensino da filosofia", disse ele em novembro, "é uma 
das ferramentas mais poderosas que temos à nossa disposição para capacitar as 
crianças a atuar como sujeitos livres e responsáveis em um mundo cada vez 
mais complexo, interconectado e incerto". A sala de aula, ele enfatizou, oferece um
 "caminho para uma cultura democrática humanista e vibrante".

Em 2013, enquanto a Irlanda lutava contra os efeitos da crise financeira, Higgins
 lançou uma iniciativa nacional que pedia um debate sobre o que a Irlanda 
valorizava como sociedade. O resultado é que em setembro, pela primeira vez, a 
filosofia foi introduzida nas escolas irlandesas. O curso para jovens de 12 a 16 anos
 provoca os jovens a refletirem sobre questões que - até agora - estavam ausentes 
dos currículos escolares. No Reino Unido, uma rede de filósofos e professores ainda 
está tentando implantar algo parecido. E na Irlanda, uma nação que já foi considerada 
"o país mais católico", já está explorando reformas para estabelecer a filosofia para 
as crianças como um assunto dentro das escolas primárias.

Esta expansão da filosofia no currículo é algo que Higgins e sua esposa Sabina, 
graduado em filosofia, pediram expressamente. As opiniões de Higgins estão à frente
 de seu tempo. Se alguns educadores assumem que a filosofia é inútil, é justo dizer 
que muitos filósofos acadêmicos ainda são territoriais ou ignorantes sobre a viabilidade 
de tratarem do assunto para além da academia. Se por um lado os educadores 
precisam ficar sábios, por outro lado os filósofos precisam superar a si mesmos.

O pensamento e o desejo de compreender não vêm naturalmente - ao contrário do que 
Aristóteles acreditava. Diferentemente, digamos, do sexo e da fofoca, a filosofia não é 
um interesse universal. Bertrand Russell aproximou-se disso quando disse: "A maioria 
das pessoas prefere morrer do que pensar; na verdade, é isso que fazem ". Embora 
possamos todos ter a capacidade de filosofar, é uma capacidade que requer 
treinamento e "cutucões" culturais. Se a busca da ciência requer algum andaime 
cognitivo, como argumenta o filósofo norte-americano Robert McCauley, então o
 mesmo vale para a filosofia.

A filosofia é difícil. Abrange a dupla exigência de trabalho árduo e um supervisor 
sério. Isso nos obriga a superar os preconceitos pessoais e as armadilhas no raciocínio. 
Para isso é necessário o diálogo tolerante, e imaginar pontos de vista divergentes 
enquanto os avalia. A filosofia ajuda as crianças - e os adultos - a articular perguntas 
e a explorar respostas que não são facilmente extraídas pela introspecção ou pelo Twitter.
 No seu melhor, a filosofia coloca ideias, não egos, na frente e no centro. E é a própria
 fragilidade - a não-naturalidade - da filosofia que exige que ela seja incorporada, 
não apenas nas escolas, mas nos espaços públicos.

A filosofia não vai trazer de volta os trabalhos perdidos para os robôs. Não é uma cura 
para todos os problemas atuais ou futuros do mundo. Mas pode construir uma imunidade
 contra julgamentos descuidados, e certezas não avaliadas. A filosofia em nossas salas 
de aula poderia nos preparar melhor para perceber e desafiar os conhecimentos 
convencionais da nossa era. Talvez por isso não seja surpreendente que o presidente 
da Irlanda, um país que foi uma vez uma sub-teocracia, tenha entendido isso.

Fonte:
http://www.filosofianaescola.com.br/2017/01/a-filosofia-pode-ensinar-o-que-o-google.html?spref=fb&m=1


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

O que é uma aula - Gilles Deleuze

Em uma parte da série de entrevistas concedidas pelo filósofo Gilles Deleuze, ele fala sobre o que é uma aula. Abaixo a transcrição de uma parte do vídeo:


"Para mim, uma aula não tem como objetivo ser entendida totalmente. Uma aula é uma espécie de matéria em movimento. É por isso que é musical.

Numa aula, cada grupo ou cada estudante pega o que lhe convém. Uma aula ruim é a que não convém a ninguém.

Não podemos dizer que tudo convém a todos. As pessoas têm de esperar. Obviamente, tem alguém meio adormecido. Por que ele acorda misteriosamente no momento que lhe diz respeito? Não há uma lei que diz o que diz respeito a alguém. O assunto de seu interesse é outra coisa.

Uma aula é emoção. É tanto emoção quanto inteligência. Sem emoção, não há nada, não há interesse algum. Não é uma questão de entender e ouvir tudo, mas de acordar em tempo de captar o que lhe convém pessoalmente.
É por isso que um público variado é muito importante. Sentimos o deslocamento dos centros de interesse, que pulam de um para outro. Isso forma uma espécie de tecido esplêndido, uma espécie de textura."

Gilles Deleuze, filósofo francês.



Welcome to Emília filosofante!

      Este espaço foi criado para compartilhar textos, vídeos, curiosidades, atividades e tudo o mais relacionado a disciplina de Filosofia. Seus conteúdos estão voltados para as salas em que ministro aulas na escola Emília de Paiva Meira.
     Contudo, este blog não substitui nossas aulas, mas possibilita que possamos usá-la integralmente para a exposição de ideias e o posterior debate, ampliando assim o aprendizado. A intenção é que possamos aprofundar através deste canal os assuntos discutidos em nossas aulas.
     As postagens são direcionadas por séries e assuntos quando forem exclusivas para a continuidade de nossas aulas ou alguma proposta de atividade para nota. Mas também farei postagens de interesse de todos com assuntos diversos sobre nós e nossa atuação no mundo.

     Que nosso ano letivo possibilite nosso desenvolvimento para além da sala de aula, que nosso  aprendizado nos faça melhores para nós mesmos e para os outros.

     Conto com vocês nesta caminhada.

Professora Tatiana